Era o dia seguinte ao meu aniversário. Acordei por volta das 8 horas porque chegamos bem tarde de um restaurante lindíssimo que visitamos em uma cidade vizinha na noite anterior. Havia coisas que eu já sabia que atrasariam ao longo do dia, simplesmente pelo fato de ter acordado tarde.
Minha irmã me enviou uma mensagem com uma notícia chata e me ligou logo em seguida. Falamos sobre a notícia e quais os possíveis problemas que poderiam derivar daquilo. No fundo, algo só é ruim de fato quando os problemas ficam escancarados diante da nossa fuça. Enquanto aquilo que parece ruim não vira um problema concreto, continuamos em terreno controlado.
E então, eu desabei.
Não tinha nada a ver com a notícia que a Jéssica havia me dado, aquilo não me afetaria em nada. Acho que sei por qual motivo comecei a chorar: porque não choro há muito tempo e porque ali, em meio a uma chamada de vídeo com a pessoa em quem mais confio no mundo, tive uma chance de dividir aquela angústia imensa com alguém. Simplesmente não aguentei e deixei o choro vir. Ele, que quase nunca aparece ultimamente, visto que venho me tornando uma pessoa cada vez mais dura.
O que aconteceu foi que, enquanto pensava em desligar o telefone para fazer uma das coisas atrasadas do dia, me lembrei do porquê aquilo estava atrasado. Eu vinha fugindo ao longo da semana inteira e adiando essa demanda, até o ponto em que a água chegou ao pescoço e, junto disso, veio o medo de enfrentar aquela responsabilidade.
“Jéssica, não contei isso pra ninguém, mas estou com medo. Sei que é uma coisa estúpida, você nem vai acreditar quando souber o que é, mas não estou sabendo lidar com isso e quase cometi a loucura de indicar outra pessoa no meu lugar para assumir esse trabalho”.
Recebi uma oportunidade muito boa profissionalmente. Mas, ao mesmo tempo, a autocobrança começou a gritar: “Você tem que fazer isso muito bem”, “Você precisa honrar essa oportunidade”, “Você precisa se superar”, “Você precisa entregar algo acima da média”.
O medo, a cobrança, e até mesmo uma espécie de arrogância — como se eu tivesse que ser perfeita sempre — foram tantos, que eu paralisei e a demanda começou a atrasar.
Minha irmã, que é uma das pessoas mais inteligentes e sensatas que conheço, me viu chorando e abrindo detalhes sobre aquilo. Justamente por saber que não costumo contar as minhas coisas e dividir dificuldades, acho que ela percebeu que aquilo estava realmente me fazendo muito mal.
E, então, a sensatez que eu disse que a Jéssica tanto tem começou a aparecer…
Entre outras coisas que ela me disse, uma delas me chamou a atenção.
“Você está se cobrando assim porque deve ter tomado alguém como referência e aí se culpa por não ser igual a essa pessoa”.
Lembro que, quando ela me disse isso, eu estava no quarto de visitas, separando alguns do livros do Bailinho Literário. Assim que ouvi aquilo, larguei os livros em cima da cama. Como raios ela tinha chegado àquela conclusão?!
Deixei os livros de lado, parei de fazer duas coisas ao mesmo tempo — já tinha parado de chorar, foi só um rompante rápido de angústia — e confessei.
“Você está certa. Existem algumas pessoas que eu tomei como modelo em aspectos diferentes e me culpo por não ser tão brilhante como elas nesses pontos”.
Começamos a conversar sobre isso e a Jéssica, inteligentíssima e sensata como sempre, deu início à linha de raciocínio dela sobre o assunto. Tudo o que ela disse fazia sentido e, ainda que eu soubesse de certa forma que estava me cobrando de maneira exagerada, o mais impressionante foi saber que ela percebeu rapidamente que eu estava me comparando com outras pessoas, sem que eu nem sequer insinuasse que o problema era esse. Ela entendeu tudo por si só, em pouquíssimo tempo de conversa.
Uma das sugestões que ela me deu para diminuir a cobrança e conseguir agir — afinal, a demanda já estava atrasada e eu já havia inclusive pensado em entregar de bandeja aquela oportunidade de trabalho para outra pessoa, tamanho era o medo de falhar — foi um tanto drástica:
“Gabriela, para de ver o que essas pessoas fazem”.
Ela foi categórica na recomendação e sei que isso divide opiniões. Por um lado, existe a turma que defende a ideia de que é somente se espelhando em pessoas melhores do que nós que conseguimos subir nossa própria régua e melhorar em algo.
Por outro, há aquelas pessoas que, como a Jéssica sugeriu, corroboram a ideia de se afastar daquilo que pode estar causando tanto mal.
Em condições normais de temperatura e pressão, eu seria do time da primeira turma. Observar o que pessoas que admiro fazem, como pensam e como agem, foi o que me ajudou a dar um salto colossal na vida profissional nos últimos dois anos. Mas penso que existe um limite ao se espelhar em quem admiramos, e é nesse ponto que, muitas vezes, perdemos o prumo.
Admiração e inspiração sem filtro podem ser um dos maiores venenos da internet hoje em dia. Eu, que acompanho o conteúdo de pouquíssimas pessoas e nunca vejo tudo o que elas produzem — porque meu foco na rede é meu próprio trabalho — já sinto os reflexos disso. Imagina quem elege verdadeiros semi-deuses na internet e toma essas pessoas como exemplos inquestionáveis a serem seguidos, não importa o quanto isso as torne escravas de um modelo a ser seguido.
Enquanto ouvia minha irmã construir com maestria a linha de raciocínio dela, e quais ações concretas ela sugeriu que eu tomasse para deixar de me intimidar pelo que fulano ou sicrano desempenham tão bem, lembrei-me dos livros.
Se pararmos pra pensar, absolutamente toda mentalidade, ideologia ou linha de pensamento que alguém que admiramos possui veio do estudo de algo anterior. As pessoas mais admiráveis que conheço são aquelas que se debruçaram sobre algum assunto do seu interesse e o estudaram até assimilá-lo. Com o tempo, passaram a compartilhar o que pensam aqui e acolá, inclusive nas redes sociais.
Quando desliguei o telefone com a Jéssica, pensei no quanto a comparação com pessoas que admiramos imensamente pode ser nociva. De fato, existe uma linha tênue entre aquilo que inspira e o quanto isso pode também oprimir.
Imersa na admiração cega pelo corpo de uma blogueira fitness, você pode nunca ficar satisfeita com seu próprio corpo. Admirada pela produtividade de uma empreendedora, você pode se achar eternamente insuficiente. Encantada com a maternidade de uma mulher que te inspira, você pode se culpar imensamente como mãe. Impressionada com o faturamento de uma profissional que você acompanha nas redes, pode ser que você se encare como alguém que nunca atinge o sucesso que busca.
E é nessa hora que a frase “não compare o seu bastidor com o palco do outro” se faz tão coerente. Quando você vê alguém que admira, não há como saber pelo que aquela pessoa passou ou ainda passa para estar nessa posição. Ademais, é quase desumano ignorar o esforço que você mesma vem desprendendo para se tornar uma melhor profissional, mãe, esposa e mulher. Esse é o seu bastidor hoje e, se continuar se dedicando, tudo indica que chegará ao palco.
Hoje, eu também tenho o meu bastidor. Aos trancos e barrancos, cheguei ao palco em alguns aspectos da minha vida. Em outros, ainda estou ensaiando muito e pretendo continuar até ficar boa nisso mas, novamente “não há como comparar o nosso bastidor com o palco dos outros”.
Quando parei para refletir, concluí que minha irmã estava certa. Quando a admiração por alguém que está muito adiante no caminho que estamos trilhando nos paralisa, isso deixa de ser útil e passa a ser um entrave. Cabe a cada um a sabedoria de encontrar outros meios para crescer e se desenvolver. Pra mim, é aí que os livros sempre ganham.
Você pode escutar o que alguém diz nas redes sociais sobre o estoicismo, ou pode ler Marco Aurélio, Sêneca e Ryan Holiday. Pode consumir tudo o que algum empresário ensina sobre empreendedorismo, ou pode ler Dale Carnegie, Grant Cardone e Eric Ries. Pode se abismar com a rotina regrada e produtiva de algumas pessoas, ou pode ler “Hábitos atômicos” e “O poder do hábito”. Está tudo lá, nos livros.
Todas as pessoas que admiramos aprenderam a fazer aquilo que é objeto da nossa admiração estudando, treinando, se dedicando, falhando e repetindo todo o processo novamente. E grande parte desse aprendizado vem dos livros. Nossos ídolos não nasceram especiais ou iluminados, eles se tornaram notáveis por meio do aperfeiçoamento contínuo daquilo no qual queriam se destacar.
Você e eu também podemos atingir resultados semelhantes. Basta que nos dediquemos ao aprendizado contínuo, nos coloquemos em desafios e bebamos da fonte correta.
Em vez de se comparar continuamente com pessoas que são melhores do que você em algo, se posso te dar uma única sugestão, seria o que eu mesma fiz, depois da última choradeira nos ombros da minha irmã caçula: sentei e escolhi os livros que podem me ensinar aquilo no qual quero melhorar. É deles que tirarei as lições que busco, e não da comparação desleal do meu bastidor com o palco dos outros.
Mais inspirador do que aquela pessoa que você tanto admira — e com quem tanto se compara também — é a fonte na qual ela bebeu. Busque beber da mesma água. A maior vantagem é que o filtro não será mais feito por terceiros, senão por você mesma.
Até a próxima pink letter,
Gabriela Pazos
Lembrei do comecinho do Poema em Linha Reta do Fernando Pessoa: "Nunca conheci quem tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo".
Concordo, Gabi, há um limite de comparação e isso tem ficado muito claro pra mim nos últimos meses. Ano passado me comparei de uma forma tão doentia com outras pessoas que quando vi, tinha me tornado uma pessoa ingrata que não conseguia enxergar nada de bom na própria vida.
Hoje o seu texto bateu o martelo sobre o que antes era um pensamento difuso por aqui. ❣
Eu tenho uma máxima na minha cabeça e num post it e pela qual tento me guiar que é: a comparação CEGA.
É como colocar uma venda nos olhos e parar de se perceber, de se enxergar. Essa venda faz com que olhemos apenas para aquilo que ACHAMOS que nos falta e ceguemos para TODO o resto que temos de bom.
Fácil não é, porque as “tentações” para olhar pro lado estão cada dia maiores, mas penso também que, quanto mais nos fortalecemos em nós mesmas, menos fazemos o movimento consciente de ficar virando o pescoço pra olhar para o lado o tempo todo.
Eu parei de seguir muita gente que me fazia mal. Às vezes, a coitada da pessoa nem sabe, mas vez ou outra faço esses limpas nas minhas redes.
“Corpo: é leve ou pesado seguir essa pessoa?”. Pode parecer maluquice, mas ele, o corpo, fala. E aí cabe a nós tomarmos a decisão de ir para a leveza ou permanecer no peso da comparação.
PS: amando poder comentar aqui 💞😂