— Aposto que tem gente aqui que já pensou: “esses crentes aí são tudo doido, eu é que nunca vou numa igreja evangélica”.
Há bastante tempo eu me afastei de Deus.
Não sei dizer precisamente quando foi a primeira vez, mas lembro-me de uma época que me marcou. Era o ano de 2010 e tive meu primeiro quadro de depressão grave. Eu tinha 21 anos e, desde os 5 anos de idade — a pedido das próprias professoras da escolinha em que eu estudava — , minha mãe rodava comigo para cima e para baixo em busca de tratamentos e ajuda para a personalidade difícil que eu aparentava ter.
Durante uma década e meia, nem ela e nem eu sabíamos que a criança e jovem “extremamente sensível” que eu parecia ser era, na verdade, um dos maiores indicativos de um diagnóstico de bipolaridade identificado tardiamente. Se eu tivesse começado o tratamento antes, talvez algumas consequências maiores fossem evitadas.
E eis que, durante o primeiro quadro depressivo profundo, em que passei vários meses sem sair de casa, dentro de um quarto escuro, sem trabalhar, sem contato com pessoas, sem nem sequer tomar banho com regularidade, o restante de fé que eu tinha desapareceu.
Em alguns momentos, lembro-me perfeitamente de pensar, do alto da minha arrogância: “Mas é claro que Deus não existe. Se existisse mesmo, saberia que é muito melhor estar morta a viver com esse nível de tristeza e desesperança, e acabaria com a minha vida de uma vez”. Eu tinha 21 anos, acho que ainda restava-me algum direito de ser uma babaca arrogante.
Em outubro daquele ano — mais precisamente no dia 03, a data em que ocorreu a eleição presidencial — tive minha primeira tentativa de suicídio. Foram 198 cápsulas de remédios tarja vermelha e preta batidas no liquidificador com formicida e veneno para rato, vulgo chumbinho. Bebi dois copos de 400ml dessa mistura e esperei pelo momento em que deixaria de sentir a dor insuportável que a depressão severa causa.
Não daria tempo de contar todos os detalhes aqui, pois são muitos, mas eu sobrevivi. Ao contrário daquilo que toda a equipe médica previu, superei as chances mínimas de sobrevivência, dada a quantidade imensa de veneno que tinha ingerido, e acordei depois de alguns dias na UTI.
Quando despertei, aposto que a maioria das pessoas pensaria que eu me senti grata por ter sobrevivido. Mal sabem que, dentro dos próximos dois meses, eu viveria o pior dos infernos do quadro depressivo, até iniciar o tratamento adequado com o médico que, sem o menor exagero, salvou a minha vida.
Desde 2010, portanto, a minha relação com Deus é um bocado instável, visto que este foi o primeiro de 3 quadros depressivos graves, com sintomas que iam piorando, a ponto do tratamento inicial não surtir mais efeito. Minha bronca com Deus era: por que manter alguém vivo diante de uma das doenças mais cruéis que um ser humano pode enfrentar?
Sei que, ao ler a pergunta acima, quem nunca viveu uma depressão grave, a nível de internação, tratamento de eletrochoque e tentativas de suicídio, jamais entenderá a classificação da depressão como “uma das doenças mais cruéis que um ser humano pode enfrentar”. Mas se você já flertou com esse diagnóstico de alguma maneira, ou cuidou de um familiar em um quadro grave, sabe o que essa doença sorrateira, silenciosa e invisível é capaz de causar.
Como passei muito tempo sem contato com Deus, acostumei-me a isso. Houve alguns momentos em que voltei a acreditar, resgatei um pouco a minha fé, mas isso ia e vinha, não era um sentimento constante, tampouco uma certeza inabalável de que Deus realmente nos dá aquilo de que cada um de nós precisa — e não o que queremos — e opera de maneira a nos orientar para o aprendizado e crescimento constantes.
Já procurei Deus em diversos lugares, de maneiras diferentes. Encontrei-o em locais que podem parecer estranhos aos olhos daqueles que possuem uma religião específica. Mas esta é a minha forma de conversar com Deus e, para mim, a fé segue ocupando um lugar maior do que aquilo que uma ou outra religião pregam como verdade absoluta.
Deus esteve comigo quando, em 2010, todos os médicos disseram aos meus pais que as minhas chances de sobreviver após a tentativa de suicídio eram mínimas.
Deus esteve comigo quando, em 2015, durante um quadro de mania, enquanto morava em Barcelona, algo de pior não aconteceu, até voltar ao Brasil e iniciar longos meses de tratamento para bipolaridade novamente.
Deus esteve comigo quando, em 2019, fui professora voluntária em locais que alguém de menos fé certamente diria que foram abandonados por Deus, tamanha a precariedade em que aquelas crianças viviam.
Deus esteve comigo quando, no final de 2019, passei cerca de 10 dias em um monastério budista numa pequena vila na Tailândia, em contato com o modo de viver e pensar dos monges budistas, que abdicam de toda a sua vida mundana em prol daquilo que acreditam aproximá-los da divindade.
Deus esteve comigo quando, em 2020, sobrevivi ao terceiro — e espero que último — quadro depressivo grave, após meses de tratamento num quarto escuro novamente.
Deus esteve comigo quando, em Outubro de 2020, fui oficialmente contratada para o trabalho que mudaria totalmente a minha vida profissional e financeira.
Deus esteve comigo quando, em 2021, tomei coragem para lançar meu próprio clube do livro em um país que não lê, e fazer valer o poder que acredito que a leitura desempenha na vida das pessoas.
Deus esteve comigo quando, no final do ano passado, tive uma conversa com o Jonatas, sócio e diretor do ONM, sobre fé e ele me indicou um livro que começou a mudar toda a minha maneira de pensar e encarar o contato com Deus.
Sobretudo, Deus esteve comigo no último Domingo, quando, por conta própria, decidi ir a um culto que há muitos anos tenho vontade de conhecer.
Confesso que cheguei ao local com um misto de curiosidade e preconceito. Sentada na última fileira, observando o máximo que podia, duvidei de que aquela experiência seria benéfica para mim quando o pastor começou a falar. Até que, ao longo do culto, a minha opinião começou a mudar: não era mais a minha cabeça julgando, era o meu espírito sentindo.
A palavra daquela noite parecia que realmente tinha sido para mim. Em alguns momentos, lembro-me de pensar: “Mas não é possível que, justo no dia em que eu vim a esse culto, o que o pastor está dizendo era exatamente o que eu precisava ouvir!”. Até que parei de questionar e passei a agradecer. Era o que eu precisava e, ali, diante dos meus olhos, recebi aquele presente divino com meu mais profundo agradecimento.
— Aposto que tem gente aqui que já pensou: “esses crentes aí são tudo doido, eu é que nunca vou numa igreja evangélica”.
O pastor estava certo. Eu sou uma das pessoas que pensou exatamente assim muitas vezes. Quando ele disse isso, já no final do culto, lembrei-me de que a parte boa de reconhecer nossos preconceitos é poder combatê-los com consciência, afinal, só se vence aquilo que se conhece.
Naquela noite, novamente, Deus esteve comigo. Dessa vez, aceitei sua companhia sem questionar. Hoje, vou ao encontro dele novamente. Se escutar com cuidado e atenção, sei que ele terá algo a me dizer.
Até a próxima pink letter,
Gabriela Pazos
Lindo!
Eu como cristão só posso te falar uma coisa: Deus é maravilhoso!
Que Ele continue derramando sobre ti a sua graça infinita.
Sinta-se abraçada.
Que coisa linda de ler! 💕
Que Deus, continue falando com você e que você continue sensível e aberta à ouvi-Lo.